quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Quanto vale uma pesquisa literária ou como não ser um costureiro de citações.



  A graduação é um lugar propício para a geração de conhecimento, observando-se que, neste nível de estudo, as pesquisas realizadas têm um caráter formativo. No entanto, nosso curso é de licenciatura, muitos alunos nunca pensaram em participar de algum grupo de pesquisa. É claro, este curso visa à formação de professores, mas o professor que não for, também, um pesquisador estará a meio caminho de penetrar em um ostracismo intelectual.
                    Em Outubro de 2006, os componentes do grupo de pesquisa “Espaço de leituras: cânones e bibliotecas” (posteriormente, o projeto do grupo foi modificado e  rebatizado como “Bibliotecas pessoais: escritores, historiadores e críticos literários”), durante uma semana, entrevistaram alunos de semestres variados do Curso de Letras, da Universidade Federal do Ceará. A pergunta proposta foi a seguinte: Quais são as principais dúvidas e problemas enfrentados ao tentar iniciar e desenvolver uma pesquisa literária?
            Foram ouvidos muitos depoimentos interessantes, mas a queixa recorrente, a principal barreira que gera um grandioso receio aos estudantes é o despreparo em relação à metodologia de pesquisa. Passado alguns anos, observamos que esse problema ainda é recorrente entre os alunos de Letras.      

O curso de letras contempla o estudo das línguas estrangeiras, lingüística e literatura e, lamentavelmente, não possui una disciplina de metodologia científica. No caso da Literatura, não existindo disciplinas sobre investigação literária, os alunos aprendem uma pequena noção de metodologia na marra, quando são incumbidos pelos professores a realizar trabalhos escritos e seminários. Desde cedo, o aluno deverá ter em mente, que cada professor possui uma metodologia de trabalho com o texto literário. Alguns professores deixam nítida a metodologia específica para os alunos trabalharem em seus trabalhos. Outros professores só mostram o tema da pesquisa e não apresentam nenhuma indicação metodológica.
            Vivemos numa época em que a ciência alcançou um status privilegiado. Pessoas desavisadas ao pensar em produção acadêmica, ambicionam imediatamente um retorno material do conhecimento trabalhado durante a pesquisa. Esta questão é citada, pois ainda existem estudantes que vinculam a literatura à metodologia das ciências exatas. A maneira de trabalhar do pesquisador literário não é compatível  com essa metodologia, porque a literatura possui suas próprias especificidades metodológicas.
            Baseado nas dúvidas dos estudantes apresentaremos algumas características da metodologia empregada pelas Ciências exatas e pela Literatura.
            Primeiramente, apresentarei a questão da metodologia cientifica. Existem muitos livros sobre este assunto. Na obra de nossa consulta, de autoria de João Álvaro Ruiz, leremos que “uma pesquisa científica é uma elaboração concreta de uma investigação planejada, desenvolvida e redigida de acordo com as normas da metodologia consagrada pela ciência” (RUIZ, 1985. p. 48).
            Também é conveniente tentar dizer o que seria ciência. Ela é uma construção de modelos explicativos da realidade. Nesse caso, modelo é uma elaboração calcada no real empírico. A ciência é um conhecimento racional que tem suas próprias regras, suas leis fundamentais. Essas regras são chamadas princípios racionais: o princípio de identidade, o de não-contradição, o do terceiro excluído e o de casualidade. A pesquisa cientifica tem que obedecer fielmente a estes princípios.
            A ciência experimental está calcada no método indutivo, pois busca os princípios gerais que regem os fenômenos. O discurso científico preza pela objetividade, ou seja, uma linguagem puramente denotativa, para exprimir, sem ambigüidades, as leis do objeto estudado. Por exemplo, sabemos que a água ferve a uma temperatura de 100°, ao nível do mar. Este valor não oscilará em virtude da subjetividade ou da ideologia do pesquisador.    
            Ela suscita aplicações úteis, resolve problemas importantes aos seres humanos. A sociedade ocidental e ocidentalizada confere um grande valor ao uso imediato do conhecimento produzido pela ciência. Os resultados são demonstráveis, pois a ciência mostra o que faz.
            De toda essa explanação, nascem duas questões: A literatura necessita ser eficiente? Será que ficarei milionário ao realizar uma pesquisa literária?
             Sobre a nossa metodologia, a primeira condição da pesquisa é esclarecer a especificidade do fenômeno literário. Vimos há poucos instantes o caráter modelizador da ciência. O trabalho do crítico literário constitui-se de três partes: descrição, análise e interpretação. O ponto máximo da investigação, no caso, é a interpretação. Ela realiza o percurso inverso ao da modelização: vive de sua capacidade de abrir-se.                         
             O modelo para ser modelo deve ser conclusivo, não admite concorrência. O nosso objeto de estudo é o texto literário, e ele está carregado de linguagem conotativa. Esse discurso poético é caracterizado pelo desvio da linguagem comum, pela recriação da realidade, pelos recursos expressivos e, sobretudo, pela ambigüidade.
            Vejamos um  verso de Camões, por exemplo: “É ferida que dói e não se sente.” O poeta fala do amor como uma perturbação existencial  sem local determinado. Ela dói dentro de nós. Essa complexidade é dada através do paradoxo, quebrando automaticamente o princípio de identidade e de não-contradição, figura incompatível com a metodologia cientifica. O estudioso trabalhará com um objeto subjetivo e, à medida que se debruça sobre o fenômeno da escritura deste objeto, não poderá realizar um discurso monolítico, dogmático.
            O alvo do pesquisador não é o mundo, e sim o discurso de um artista sobre o que ele sente em relação ao mundo, embora os nexos e relações sejam quase que inevitáveis e, quem sabe, inconscientemente, articulados. E, após um minucioso estudo, o pesquisador descobre que neste discurso existem inúmeras perspectivas, ideologias que dialogam entre si. Então, deverá elaborar um discurso sobre o discurso do outro, um metaconhecimento  por natureza.
            O ofício da pesquisa literária usa, em grande parte, de nossa capacidade de arbítrio, trabalhando o texto literário com mensagens fundamentalmente ambíguas, nas palavras de Umberto Eco, “uma pluralidade de significados que convivem em um só significante” (ECO, 1986. p.22).
            É evidente que temos enfatizados, até agora, mais a importância da investigação literária e a peculiaridade do texto literário, e menos  as metodologias de investigação. Pois, como nos diz Eduardo Portella “cada obra sugere um método, cada uma solicitando tratamento diverso” (apud Silva, 2000. p.102).
            Todo trabalho crítico depende da seleção e da delimitação do tema. O pesquisador terá várias opções de metodologias, como a hermenêutica, o método estilístico-retórico, o comparativo, o recepcionista, o genético, o fenomenológico, o existencialista e o culturalista. Ele escolherá um ou mais métodos, baseado na obra a ser estudada, em sua visão de mundo e naquela projetada pelo autor e pelo momento de leitura e de escrita.
            Este trabalho não possuiu nenhum intuito antagônico em relação à ciência. Ela tem a sua utilidade, a sua razão de ser. Mas devemos ter cautela sobre a ideologia cientificista, que é a crença de que a ciência é capaz de conhecer e de explicar tudo. Isso só aconteceria se os cientistas fossem seres de divina providência e saber, infalíveis em cálculos e soluções.O primeiro obstáculo a ser ultrapassado pelo jovem pesquisador é encontrar um caminho a seguir. Além de embasamento teórico e cultural, o futuro pesquisador deverá ser criativo, porque sem essa qualidade será apenas um costureiro de citações.
            Sim, a pesquisa literária irá nos proporcionar riqueza. Uma riqueza de entendimento para desbravar de maneira crítica a vasta e densa floresta da existência humana. As humanidades devem encontrar caminhos para estudar o que as  caracteriza, sem exclusões, com especificidade.

Referência Bibliográfica

BOSI, Alfredo. “A interpretação da obra literária” In: Céu, inferno. Ensaios de crítica literária e ideológica. São Paulo: duas cidades/ ed. 34, 2003.

ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1986.

___________ Interpretação e superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

CHAUÍ, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.

PORTELLA, Eduardo. Fundamento da investigação literária. Fortaleza: Edições UFC; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981.

RUIZ, João Álvaro. Metodologia científica: Guia para eficiência nos estudos. São Paulo: Atlas, 1985.

SILVA, Odalice de Castro. A obra de arte e seu intérprete: reflexões sobre a contribuição crítica de Osman Lins. Fortaleza: Edições UFC, 2000.

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