domingo, 26 de junho de 2011

Por que estudar a obra literária de Rodolfo Teófilo na pós-graduação?


Charles Ribeiro Pinheiro[1]

JUSTIFICATIVA
1. Baiano por acidente e cearense de coração, farmacêutico e literato, Rodolfo Teófilo (1853-1932) foi uma figura de intensa atuação política e cultural, durante a passagem do século XIX ao XX no Ceará. Quando afirmamos atuação política, não significa a participação explícita em grupos políticos, pois Rodolfo possuía verdadeira aversão à “politicagem.” Apesar de possuir uma visão negativa da política, naquela época, ser um intelectual significava assumir uma posição firme dentro da sociedade. Suas obras científicas e historiográficas constituem documentos de grande valor. No entanto, a sua obra literária não despertou interesse em um número tão grande de pesquisadores.
Exceto A fome (1890), romance de estréia, outras obras de Rodolfo Teófilo não receberam novas edições contemporâneas, tornando-se, as primeiras edições, verdadeiras raridades. As linguagens documentais e cientificistas que percorrem os seus livros afastam pesquisadores que estejam mais interessados em questões estéticas. No campo literário, a importância de Rodolfo Teófilo está em seu aguçado regionalismo. Nenhum outro artista local pintou de maneira tão lúcida e engajada a alma, os costumes e as condições de vida do povo cearense. Rodolfo Teófilo não poderia escrever seus livros de outra maneira, porque no cientificismo estava o seu estilo. Intelectual engajado, foi um ferrenho opositor da oligarquia Accioly (1896-1912); além de denunciar o descaso do governo em relação às secas, participou ativamente da campanha abolicionista (1881-1883) e, contrariando os seus opositores, conseguiu erradicar a varíola do estado do Ceará (1900-1907).
2. Uma das mais famosas polêmicas, no século XIX, no campo literário cearense, em relação à concepção de “verdade” deu-se com a publicação do romance A fome, do escritor Rodolfo Teófilo. Surgiu na revista Moderna (1891), periódico publicado em Fortaleza, um artigo de cunho impressionista que realizava um ataque violento ao romance de estréia de Teófilo. Esta passagem, sem dúvida, deixou o autor d’O paroara cozinhando os nervos: “... enquanto o Sr. Teófilo, que é nortista, que sempre residiu em sua terra, que assistiu de vista todas aquelas cenas canibalescas e incríveis de miséria e fome, não conseguiu dar senão páginas sem estilo, sem arte, sem verdade às vezes..."[2]
Anos depois, Rodolfo Teófilo descobriu a autoria da crítica: Adolfo Caminha (1867–1897). A resenha intitulada “A fome” e mais outros artigos foram publicados no seu único livro de crítica, Cartas Literárias (1895). Além de acusar Rodolfo Teófilo de pintar cenas sem verdade, afirma que o tema nas mãos de José de Alencar (1829– 1877) ou Aluísio de Azevedo (1857–1913) teria mais estilo, grandeza e veracidade. Como nos assinala o pesquisador Sânzio de Azevedo, em sua obra Dez ensaios de Literatura cearense[3], Adolfo Caminha cometeu um equívoco ao comparar Teófilo a Alencar. Alencar é um autor de escritura poética e pintor de paisagens belíssimas. Era um autor romântico e não tinha pretensão alguma de ser fiel à verdade.
Rodolfo Teófilo respondeu a altura em três artigos no jornal O Pão, que anos mais tarde, com algumas alterações, seriam publicados no livro Os meus zoilos (1924). No artigo d’O pão nº 26, de 15 de Outubro de 1895, revela o escritor: 
de todas as injustiças que o Sr. Caminha fez A Fome, a que mais me doeu foi a falta de verdade nas cenas que descrevo.Tenho a consciência do contrário; percorri abarracamentos, ouvi com grande atenção e piedade as narrativas dos infelizes famintos e assim julguei ter fotografado no meu livro não todos os episódios dessa angustiosa época, porém os que julguei mais extraordinários sob o ponto de vista das misérias humanas.[4]
 
Percebemos que para Rodolfo Teófilo a maior heresia de que ele podia ser acusado era a de faltar com a verdade. Deste pequeno trecho, podemos tirar duas reflexões: a primeira é a utilização da metáfora “fotografar”, no sentido de precisão e fidelidade, que o autor tinha ao descrever a realidade daquele contexto de miséria.
A segunda é a missão que Rodolfo Teófilo tomou para si. Colocou-se como um sujeito combativo, percorrendo as regiões assoladas pela peste e pela fome, com o propósito de testemunhar a verdade daquela assombrosa situação. Não só descrever, mas denunciar. Essa aspiração pela verdade não é um fruto que nasceu do espírito cientificista da metade do século XIX. Vem bem antes. Nos livros didáticos de História, vemos que o início da era moderna dá-se com a tomada de Constantinopla pelos turcos no ano de 1453, evento que proporcionou as Grandes Navegações. Mas, ao ponto de vista científico e filosófico, a era moderna teve como vanguardista o pensador francês René Descartes (1596 –1650), defensor do racionalismo. A era moderna teve a Belle époque como o período de maior confiança na razão e o Positivismo de Auguste Comte foi a profissão de fé dos indivíduos letrados das grandes cidades européias e europeizadas.
É através desse caminho que retornamos a Adolfo Caminha e Rodolfo Teófilo. Naquele contexto, percebemos quão ofensivo era receber a alcunha de mentiroso ou charlatão. A verdade é um artigo de honra. Ela era obtida através da reflexão racional e da observação da realidade, buscando as causas dos fatos. Existe uma verdade na vida e outra verdade na arte. Nesse período histórico houve o imbricamento das duas. Rodolfo Teófilo era um intelectual engajado que tentou representar fidedignamente os problemas sociais de sua época em suas obras literárias. É impossível negar que Rodolfo Teófilo é herdeiro do racionalismo moderno, que culminou na crença na filosofia positivista.
 

[1] Mestre em Literatura Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Ceará. (2011). Pesquisa financiada pela FUNCAP.
 
[2] Caminha, Adolfo. Cartas literárias. Fortaleza Edições UFC, 1999.p.114.

[3] AZEVEDO, Sânzio de. “Rodolfo Teófilo por amor à verdade”. In: Dez ensaios de literatura cearense. Fortaleza Edições UFC, 1985.

[4] Teófilo, Rodolfo. O Pão Nº 26, 15 de Outubro de 1895. p. 4.

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