A graduação é um lugar propício para a geração de conhecimento,
observando-se que, neste nível de estudo, as pesquisas realizadas têm um
caráter formativo. No entanto, nosso curso é de licenciatura, muitos alunos
nunca pensaram em participar de algum grupo de pesquisa. É claro, este curso
visa à formação de professores, mas o professor que não for, também, um
pesquisador estará a meio caminho de penetrar em um ostracismo intelectual.
Em Outubro de 2006, os componentes do grupo
de pesquisa “Espaço de leituras: cânones e bibliotecas” (posteriormente, o
projeto do grupo foi modificado e rebatizado como “Bibliotecas
pessoais: escritores, historiadores e críticos literários”), durante
uma semana, entrevistaram alunos de semestres variados do Curso de Letras, da
Universidade Federal do Ceará. A pergunta proposta foi a seguinte: Quais são as
principais dúvidas e problemas enfrentados ao tentar iniciar e desenvolver uma
pesquisa literária?
Foram
ouvidos muitos depoimentos interessantes, mas a queixa recorrente, a principal
barreira que gera um grandioso receio aos estudantes é o despreparo em relação
à metodologia de pesquisa. Passado alguns anos, observamos que esse problema
ainda é recorrente entre os alunos de Letras.
O curso de letras contempla o estudo das línguas estrangeiras,
lingüística e literatura e, lamentavelmente, não possui una disciplina de
metodologia científica. No caso da Literatura, não existindo disciplinas sobre
investigação literária, os alunos aprendem uma pequena noção de metodologia na
marra, quando são incumbidos pelos professores a realizar trabalhos escritos e
seminários. Desde cedo, o aluno deverá ter em mente, que cada professor possui
uma metodologia de trabalho com o texto literário. Alguns professores deixam
nítida a metodologia específica para os alunos trabalharem em seus trabalhos.
Outros professores só mostram o tema da pesquisa e não apresentam nenhuma
indicação metodológica.
Vivemos
numa época em que a ciência alcançou um status
privilegiado. Pessoas desavisadas ao pensar em produção acadêmica, ambicionam
imediatamente um retorno material do conhecimento trabalhado durante a
pesquisa. Esta questão é citada, pois ainda existem estudantes que vinculam a
literatura à metodologia das ciências exatas. A maneira de trabalhar do
pesquisador literário não é compatível
com essa metodologia, porque a literatura possui suas próprias
especificidades metodológicas.
Baseado
nas dúvidas dos estudantes apresentaremos algumas características da
metodologia empregada pelas Ciências exatas e pela Literatura.
Primeiramente,
apresentarei a questão da metodologia cientifica. Existem muitos livros sobre
este assunto. Na obra de nossa consulta, de autoria de João Álvaro Ruiz,
leremos que “uma pesquisa científica é uma elaboração concreta de uma
investigação planejada, desenvolvida e redigida de acordo com as normas da
metodologia consagrada pela ciência” (RUIZ, 1985. p. 48).
Também
é conveniente tentar dizer o que seria ciência. Ela é uma construção de modelos
explicativos da realidade. Nesse caso, modelo é uma elaboração calcada no real
empírico. A ciência é um conhecimento racional que tem suas próprias regras,
suas leis fundamentais. Essas regras são chamadas princípios racionais: o
princípio de identidade, o de não-contradição, o do terceiro excluído e o de
casualidade. A pesquisa cientifica tem que obedecer fielmente a estes
princípios.
A
ciência experimental está calcada no método indutivo, pois busca os princípios
gerais que regem os fenômenos. O discurso científico preza pela objetividade,
ou seja, uma linguagem puramente denotativa, para exprimir, sem ambigüidades,
as leis do objeto estudado. Por exemplo, sabemos que a água ferve a uma
temperatura de 100°, ao nível do mar. Este valor não oscilará em virtude da
subjetividade ou da ideologia do pesquisador.
Ela
suscita aplicações úteis, resolve problemas importantes aos seres humanos. A
sociedade ocidental e ocidentalizada confere um grande valor ao uso imediato do
conhecimento produzido pela ciência. Os resultados são demonstráveis, pois a
ciência mostra o que faz.
De
toda essa explanação, nascem duas questões: A literatura necessita ser
eficiente? Será que ficarei milionário ao realizar uma pesquisa literária?
Sobre a nossa metodologia, a primeira condição
da pesquisa é esclarecer a especificidade do fenômeno literário. Vimos há
poucos instantes o caráter modelizador da ciência. O trabalho do crítico
literário constitui-se de três partes: descrição, análise e interpretação. O
ponto máximo da investigação, no caso, é a interpretação. Ela realiza o
percurso inverso ao da modelização: vive de sua capacidade de abrir-se.
O modelo para ser modelo deve ser conclusivo,
não admite concorrência. O nosso objeto de estudo é o texto literário, e ele
está carregado de linguagem conotativa. Esse discurso poético é caracterizado
pelo desvio da linguagem comum, pela recriação da realidade, pelos recursos
expressivos e, sobretudo, pela ambigüidade.
Vejamos
um verso de Camões, por exemplo: “É
ferida que dói e não se sente.” O poeta fala do amor como uma perturbação
existencial sem local determinado. Ela
dói dentro de nós. Essa complexidade é dada através do paradoxo, quebrando
automaticamente o princípio de identidade e de não-contradição, figura
incompatível com a metodologia cientifica. O estudioso trabalhará com um objeto
subjetivo e, à medida que se debruça sobre o fenômeno da escritura deste
objeto, não poderá realizar um discurso monolítico, dogmático.
O
alvo do pesquisador não é o mundo, e sim o discurso de um artista sobre o que
ele sente em relação ao mundo, embora os nexos e relações sejam quase que
inevitáveis e, quem sabe, inconscientemente, articulados. E, após um minucioso
estudo, o pesquisador descobre que neste discurso existem inúmeras
perspectivas, ideologias que dialogam entre si. Então, deverá elaborar um
discurso sobre o discurso do outro, um metaconhecimento por natureza.
O
ofício da pesquisa literária usa, em grande parte, de nossa capacidade de
arbítrio, trabalhando o texto literário com mensagens fundamentalmente
ambíguas, nas palavras de Umberto Eco, “uma pluralidade de significados que
convivem em um só significante” (ECO, 1986. p.22).
É
evidente que temos enfatizados, até agora, mais a importância da investigação
literária e a peculiaridade do texto literário, e menos as metodologias de investigação. Pois, como
nos diz Eduardo Portella “cada obra sugere um método, cada uma solicitando
tratamento diverso” (apud Silva,
2000. p.102).
Todo
trabalho crítico depende da seleção e da delimitação do tema. O pesquisador
terá várias opções de metodologias, como a hermenêutica, o método
estilístico-retórico, o comparativo, o recepcionista, o genético, o
fenomenológico, o existencialista e o culturalista. Ele escolherá um ou mais
métodos, baseado na obra a ser estudada, em sua visão de mundo e naquela
projetada pelo autor e pelo momento de leitura e de escrita.
Este
trabalho não possuiu nenhum intuito antagônico em relação à ciência. Ela tem a
sua utilidade, a sua razão de ser. Mas devemos ter cautela sobre a ideologia
cientificista, que é a crença de que a ciência é capaz de conhecer e de
explicar tudo. Isso só aconteceria se os cientistas fossem seres de divina
providência e saber, infalíveis em cálculos e soluções.O primeiro obstáculo a
ser ultrapassado pelo jovem pesquisador é encontrar um caminho a seguir. Além
de embasamento teórico e cultural, o futuro pesquisador deverá ser criativo,
porque sem essa qualidade será apenas um costureiro de citações.
Sim,
a pesquisa literária irá nos proporcionar riqueza. Uma riqueza de entendimento
para desbravar de maneira crítica a vasta e densa floresta da existência
humana. As humanidades devem encontrar caminhos para estudar o que as caracteriza, sem exclusões, com
especificidade.
Referência Bibliográfica
BOSI, Alfredo. “A interpretação
da obra literária” In: Céu, inferno. Ensaios de crítica
literária e ideológica. São Paulo: duas cidades/ ed. 34, 2003.
ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva,
1986.
___________ Interpretação e superinterpretação. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
CHAUÍ, Marilena. Filosofia. São Paulo: Ática, 2002.
PORTELLA, Eduardo. Fundamento da investigação literária.
Fortaleza: Edições UFC; Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1981.
RUIZ, João Álvaro. Metodologia científica: Guia para
eficiência nos estudos. São Paulo: Atlas, 1985.
SILVA, Odalice de Castro. A obra de arte e seu intérprete: reflexões
sobre a contribuição crítica de Osman Lins. Fortaleza: Edições UFC, 2000.
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