Prefácio
"Depois de muitos anos vivendo numa cidade
grande, gradualmente desenvolvemos um senso de assombro. Isto porque muito do
que acontece ao nosso redor é inexplicável e, ao mesmo tempo, mágico. Enquanto
eu crescia em meio à turbulência da vida urbana, era preciso apenas um estado
de alerta superficial para enfrentar o ritmo das mudanças e experiências que se
desenrolavam. Havia pouco tempo para questionar a rápida substituição de
pessoas e edifícios.
Tais coisas deviam ser aceitas como
normais. À medida que fui envelhecendo e acumulando recordações, passei a me
sensibilizar mais e mais com o desaparecimento de pessoas e referências
urbanas. Para mim, eram especialmente perturbadoras as inexplicáveis demolições
de prédios. Eu sentia como se, de alguma forma, eles tivessem alma.
Agora, estou certo de que essas estruturas
marcadas por risos e manchadas por lágrimas são mais do que edifícios inertes.
É impossível pensar que, ao fazerem parte da vida, não tenham absorvido as
radiações provenientes da interação humana.
E eu me pergunto sobre o que resta depois
que um prédio é demolido."
Will Eisner, Florida, 1987.
Ao ler a obra do
inesquecível Will Eisner, O edifício,
além de sua emocionante história, refleti durante muito tempo sobre o seu prefácio. Os edifícios são testemunhas
do cotidiano, são cenários e atores da História. São abrigos para ricos
(confortáveis fortalezas) e para os pobres são espaços de trabalho ou lazer,
abrigam doentes, escondem revolucionários, são destruídos em tempos de guerras. Automaticamente,
ao ler as palavras de Eisner, trouxe a sua reflexão à cidade de Fortaleza. Se observarmos a história de
nossa cidade, percebemos que há certa ânsia incontrolável pelo novo, pelo que
vem de fora. E os que mais sofrem são os prédios. Claro, estou apenas colocando
um ponto, pois esse fato é assunto de bastante discussão e reflexão. A cada
ano, uma nobre testemunha de nossa história sucumbe pelos maquinários
barulhentos, devoradores. Assim, a nossa memória se despedaça e se fragmenta.
Agora, não sei qual a identidade arquitetônica desta cidade. Se eu morar dez
anos fora, ao voltar, as referências que eu tinha, talvez já estejam esfaceladas,
carregadas pelo vento. Um canto onde
sentava e lia um bom livro, agora pode ser uma avenida. Uma loja de ontem, hoje
pode ser um estacionamento. É triste uma cidade sem memória. É triste uma
cidade que não respeita a si mesma.